Participei nesta discussão no ELU sobre o uso por autores anglófonos do que poderíamos chamar presente literário, ou seja, usar os tempos verbais do presente para discutir ideias expressas nas obras de autores mortos tal como se estes fossem ainda vivos. Em português, ninguém se escandalizaria, creio, com coisas como:
Eça de Queiroz em Os Maias (1888) critica mordazmente a sociedade lisboeta de finais do século XIX.
Machado de Assis em Dom Casmurro (1899) sai-se volta e meia com frases impagáveis como “toda a cara dele era pouca para a estupefação.”
Mas pergunto-me se é habitual ou aceitável ir em português tão longe como vão alguns autores anglófonos. Por exemplo, Kingsley Amis escrevendo em 1975 sobre Rudyard Kipling (1865-1936):
[E]ven I, with my tiny knowledge of both fields, can catch Kipling out on the bull-fight and on naval gunnery. He is wrong about the manufacture of liqueurs, too (Rudyard Kipling and His World, Thames and Hudson, 1975, p. 81).
[M]esmo eu, sabendo quase nada sobre qualquer dos assuntos, consigo apanhar Kipling em falso acerca de touradas e batalhas navais. Ele está também enganado acerca do fabrico de licores. [Minha tradução.]
Será impressão minha que em português nós somos mas comedidos no uso do presente literário? Por exemplo, nesta resposta a esta pergunta eu escrevi acerca de afirmações de Duarte Nunes de Leão na sua Ortografia da Língua Portuguesa (1576):
O insigne Duarte Nunes de Leão estava redondamente enganado acerca de termos recebido a pronunciação gê dos mouros
Seria aceitável dizer, “Duarte Leão está redondamente enganado?
Resumindo, o que eu gostaria de saber é se há exemplos deste uso ousado do presente literário na literatura em português, ou se há recomendações acerca do seu uso.